
A AUTOPSIA DE UMA OBRA,
DE UMA AUTORA
E DE UMA PERSONAGEM
Uma mulher, cujo nascimento é intrinsicamente ligado à morte, e a concepção da primeira obra de ficção científica que a torna imortal. O ato da criação, a solidão e a busca por identidade e pertencimento são os temas de Criatura, Uma Autópsia, espetáculo solo de Bruna Longo, fricção entre o romance Frankenstein, ou O Prometeu Moderno e a vida de sua autora Mary Wollstonecraft Godwin (Shelley).
Em cinco anos de carreira, o espetáculo foi contemplado duas vezes pelo Prêmio Zé Renato de Fomento para o Teatro na Cidade de São Paulo (edições 11 e 16), participou de festivais em Angola, Cabo Verde e Turquia, e foi indicado ao Prêmio Aplauso Brasil 2019 na categoria Melhor Atriz.
Fruto de três anos de pesquisas - incluindo acesso irrestrito aos diários, cartas e manuscritos originais de Mary Shelleya convite da Bodleian Libraries da Universidade de Oxford, Criatura, Uma Autópsia foi originalmente imaginado como uma adaptação para o palco de Frankenstein, ou O Prometeu Moderno, sob o ponto de vista da Criatura. Mas os caminhos da pesquisa são frequentemente misteriosos: por vezes busca-se algo e outra coisa nos encontra. Ao tentar falar da Criatura cada ação, cada palavra, cada dor encontrava Mary Wollstonecraft Godwin (mais tarde Shelley), a jovem que escrevera o livro. Sua história se impunha através da narrativa que ela mesma escreveu. Frankenstein, publicado em 1818, é considerado a primeira obra de ficção científica e um dos livros mais famosos já escritos. É curioso, no entanto observar que a maioria das pessoas jamais leu o romance. Menos ainda se sabe sobre sua autoria. Muitos surpreendem-se quando descobrem que foi escrito por uma mulher, e mais que isso: uma menina de 18 anos.
CRIADORA
"Como eu, então uma menina, pude pensar
e me debruçar sobre ideia tão terrível?"
(Mary Shelley na introdução da edição de 1831
de Frankenstein, ou O Prometeu Moderno.)
Mary Wollstonecraft Godwin nasceu em Londres a 30 de agosto de 1797, filha de dois dos mais célebres intelectuais da época: Mary Wollstonecraft, uma das precursoras do feminismo e autora de "Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher", e William Godwin, famoso filósofo político autor de "Inquérito acerca da justiça política". Infelizmente, Wollstonecraft veio a falecer 10 dias após dar à luz a filha, em decorrência de febre puerperal. Mary foi criada em uma casa abundante de discussões intelectuais e frequentada por pensadores e escritores, admiradores de seus pais, como Percy Bysshe Shelley, então um poeta famoso apenas por ter sido expulso da Universidade de Oxford. Os encontros escondidos com Shelley, a quem levava ao túmulo de Wollstonecraft, desencadeariam os eventos que levariam Mary a fugir de casa e eventualmente escrever seu primeiro romance.
E CRIATURA
A história da criação de Frankenstein é famosa e muito se escreveu sobre ela. Shelley, Mary e sua irmã de criação Claire deixam a Inglaterra pela primeira vez em 1814, Mary provavelmente já grávida de sua primeira filha. Eventualmente Claire torna-se amante do famoso poeta Lord Byron e o trio parte, em 1816, ao seu encontro em uma vila às margens do Lago Genebra. O ano de 1816 ficou conhecido como o ano sem verão. Um ano antes erupções no monte Tambora, na India, afetara o clima de toda a Europa. Confinados dentro da Vila Diodati, Mary, Shelley, Claire, Byron e seu médico pessoal John Polidori, leem poesia, discutem ciência e a origem da vida e contam histórias macabras ao redor da lareira. O tédio traz a Byron a ideia do desafio: que cada um escrevesse uma história de fantasmas. Os famosos poetas logo abandonam o trabalho, mas Mary e Polidori persistem. E foi então, numa noite insone que surge a ideia e escreve a primeira frase que viria a se tornar a mais famosa do romance: “Foi numa noite soturna de Novembro que eu contemplei a realização da minha obra."
DANÇAR A BUSCA POR IDENTIDADE
E A SOLIDÃO
Frankenstein, ou o Prometeu Moderno, pode ser lido como um romance de ficção científica, como uma história fantástica, como uma metáfora para a híbris humana. Mas o caráter filosófico da obra, sobretudo na voz da Criatura, aponta para temas ainda mais humanos e universais. A tragédia da Criatura é a tragédia da solidão, da busca por identidade e pertencimento. Como Adão, única de sua espécie, sem qualquer ligação com outro semelhante, é condenada por ter apenas humanos como padrão e torna-se pária de si mesma. A solidão da Criatura encontra eco na solidão de Mary, que escreve em seu diário quando da notícia da morte de Byron, em 1824 – "Sou a última de minha espécie, meus companheiros extintos antes de mim”. Mary, aos 27 anos, já havia visto morrer não apenas três de seus filhos, mas também Shelley, sua irmã Fanny, Harriet (esposa oficial de Shelley) e John Polidori. Tudo no curto espaço de tempo entre 1814 e 1822.
Tanto a Criatura quanto Mary são resultado de nascimentos intrinsecamente ligados à morte. A Criatura, formada de pedaços de corpos roubados em cemitérios, é como uma criança feral abandonada ao nascer e obrigada a educar a si mesma. Mary, por sua vez, carregou a sensação de responsabilidade pela morte de sua mãe, evidente em seus diários, e passou boa parte de sua vida definida pelos que a cercavam. Sobrenomes célebres que ela carregou, primeiro como filha de Mary Wollstonecraft e William Godwin, depois como companheira de Percy Bysshe Shelley. Assim como a Criatura anônima é ainda hoje erroneamente chamada pelo nome de seu criador, Mary sofreu as consequências da publicação anônima de sua primeira grande obra - era inconcebível para a época uma mulher ter escrito uma obra que fugia do padrão clássico de literatura para mulheres. Acreditava-se, primeiro, ter sido escrita por Shelley (visto que era dedicada a um de seus mestres, Godwin, pai de Mary) e, mesmo com a edição de 1831 trazendo o nome da autora e prefácio sobre a origem do romance ainda hoje existem teorias que questionam sua autoria. Mary está consciente ao escrever o livro do peso da escolha de não batizar a Criatura: "Esse modo sem nome de nomear o inominável é realmente muito bom" escreve em seu diário. "Quem era eu? O que era eu?” é a pergunta que assombra a Criatura e que assombra a todos nós.
É impossível separar a narrativa de Frankenstein das experiências de Mary Shelley com a morte e com o abandono e com sua própria constante luta por espaço em uma vida cercada por intelectuais de renome. Criatura, Uma Autópsiadebruça-se sobre esses temas, friccionando a vida de Mary Shelley e sua obra mais famosa. O espetáculo que nunca se propôs uma biografia da Criatura ou tampouco da autora, tornou-se uma autopsia de um romance e de uma personagem, revelando as entranhas, artérias, musculatura de dores pessoais e universais.
FICHA TÉCNICA
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HISTÓRICO DO ESPETÁCULO
Criatura, Uma Autópsia realizou aberturas de processo no Espaço Elevador (SP), Teatro Irene Ravache (SP), Teatro de Contêiner Mungunzá (SP), Núcleo Educatho (São Francisco Xavier / SP) e Escola Nacional de Teatro (Santo André) antes de realizar temporada de estreia na Oficina Cultural Oswald de Andrade (SP) em agosto de 2019 (sendo estendida até fim de setembro). Em novembro de 2019, realizou curta temporada no Espaço Cia da Revista (SP). Foi indicado ao Prêmio Aplauso Brasil 2019 na categoria Melhor Atriz. Em 2021, cumpriu circulação em versão audiovisual por quatro teatros da cidade de São Paulo como parte do Projeto Anônimo Muitas Vezes Foi Mulher, contemplado pela 11a Edição do Prêmio Zé Renato. Em 2022 o espetáculo participou da Mostra Solo Mulheres, no Teatro de Contêiner (São Paulo), Festival Monofest22, organizado pelo Tyiatro Medresesi em Sirince, Turquia, e do Festival Internacional de Teatro do Mindelo – Mindelact, em Cabo Verde. Em 2023 participou do Festival Internacional de Teatro e Artes (Elinga Teatro, Luanda, Angola) e circulou por teatros públicos da cidade de São Paulo como parte do projeto Memento Mori . Memento Vivere – Ou Precisamos falar sobre a morte, contemplado pela 16ª Edição do Prêmio Zé Renato. Em julho de 2024 voltará a Angola, dessa vez para participar do CIT - Circuito Internacional de Teatro, com apoio do prêmio Funarte Mobilidade 2023.
MÍDIA SOCIAL
PROJETO, CLIPPING, CRÍTICAS E MAPA DE LUZ
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GALERIA
OBRAS INSPIRADAS EM CRIATURA, UMA AUTÓPSIA
FESTIVAIS INTERNACIONAIS
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PROAC 11/2022 - Contrapartidas
Lives em Contrapartida ao ProAC 11/2022 Plataforma #CulturaEmCasa sobre o processo de criação e ensaios (live 1), produção, editais e festivais internacionais (live 2) do espetáculo Criatura, Uma Autópsia.
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Prêmio Zé Renato - Edições 11 e 16
Criatura, Uma Autópsia fez parte de dois projetos contemplados pelo Prêmio Zé Renato de Fomento para o Teatro na Cidade de São Paulo (edições 11 e 16). Acesse as páginas de cada projeto pelos botões abaixo: